Uma história para o Daniel e a Miriam.
A turminha passava as férias em Tibau. Era primo se encontrando com primo. Primo inteiro e meio-primo. Primo torto e primo direito. Primo de um lado e primo do outro. E primo dos dois lados.
E a casa da prima ficava cheia – cheia de filhos, de sobrinhos e de primos. Aquela casa bem pertinho do mar... tão pertinho... mas tão pertinho mesmo que, quando era maré alta, a água batia no paredão de pedra.
- Ora! Mas você não sabe que o paredão foi construído por isso mesmo? Pra água não avançar!
E era gostoso, mas gostoso demais, porque os primos se sentiam como se estivessem em um navio! E o navio balançava... Para cá, para lá... Para cá, para lá... feito uma música de Debussy, como diz Manuel Bandeira. Querem ver? É assim:
Debussy
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psiu...
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.
E tinha o morrinho onde os primos e os meios-primos e todos os primos (vocês já sabem, não é? Eu já disse.) iam brincar, sempre que os adultos queriam dormir ou ficar em paz.
E tinha o Ceará.
- E o que é o Ceará?
- É um rochedo que fica à beira mar, marcando o limite entre os dois estados – o Rio Grande do Norte e o Ceará. Pra cá, Rio Grande do Norte; pra lá, Ceará.
- Pra lá, pra cá, como no navio?
- Não! No navio é o balanço. No rochedo, o lado – o lado de cá e o lado de lá.
Nesse rochedo, não sabe, havia uma caverna que os primos e os meios-primos...
- Já sei, você já disse.
Pois é, todos os primos gostavam de visitar. Mas tinha de ser em hora de maré baixa, porque, na maré alta, o mar enchia a caverna de água, de muita água mesmo. E aí, mesmo quem sabia nadar não podia sair.
- Não podia!?
Não! Não podia, porque a água do mar trazia o eco do canto das sereias. Fora isso que os primos ouviram dos pescadores.
- E daí? Que é que tem o canto da sereia?
Você não sabe que o canto da sereia encanta as pessoas e as leva para o fundo do mar? Você nunca ouviu falar de Ulisses?
- Não, nunca ouvi.
Então, já vou lhe contar. Ulisses foi um grego de muito tempo atrás, que, em suas aventuras pelo mar, passou perto da ilha onde viviam as sereias. Mas o herói sabia do perigo de passar por ali, porque quem ouvisse o maravilhoso canto das sereias seria atraído ao fundo do mar. O que foi que Ulisses fez? Quer saber? Ele mandou seus marinheiros taparem os ouvidos com cera e, depois, o amarrarem no mastro do navio.
- Amarrar!? Por quê?
É melhor perguntar pra quê. Para que ele pudesse ouvir o canto das sereias, sem correr perigo. E assim foi. Quando os gênios marinhos...
- Gênios marinhos!? O que é isso?
Ora, é outra maneira de chamar as sereias. Pois bem, quando os gênios marinhos começaram a cantar, Ulisses sentiu um enorme desejo de ir ao encontro delas, mas as cordas que o prendiam e seus companheiros o impediram de ir.
- Mas Ulisses foi esperto, hein!
É, ele era muito inteligente. Mas, voltando à nossa história...
- Sim, à história dos primos, que...
Um dia, resolveram entrar na caverna. Começaram a explorá-la e esqueceram-se da história da maré.
- Espera! Eles estavam explorando a caverna. Encontraram alguma coisa?
Encontraram, sim. Encontraram muita corda, umas bolas grandes de vidro, garrafas de vinho vazias... tudo coisa de navio. E aí a maré começou a subir... a subir... a subir... E eles não perceberam porque estavam na parte mais elevada. Até que um dos primos, ou dos meios-primos, ou dos... você já sabe... olhou para trás e percebeu a quantidade de água que... deu um grito e todos os primos se viraram. E se apavoraram. Mas uma das primas – uma menina que gostava muito de ler e sabia muitas histórias – lembrou-se de Ulisses e de sua experiência com as sereias. Imediatamente explicou o que devia ser feito: os meninos, e somente os meninos, deviam ser amarrados nas rochas pelas meninas.
- Por que só os meninos?
Porque as sereias só atraem os homens. O canto delas não tem nenhum efeito sobre as mulheres. As meninas, então, procuraram os lugares mais adequados e rapidamente prenderam os meninos. E as águas subiram... subiram... subiram... até quase atingir o lugar onde estavam os primos, os meios-primos, os primos tortos... todos os primos. De repente, toda a turminha ouviu... todos os primos juraram que ouviram... uma música maravilhosa, tão encantadora, que eles quase se libertavam das cordas e mergulhavam nas ondas. Mas as cordas estavam muito firmes. Depois de algum tempo, como a maré começou a baixar, o canto foi diminuindo... diminuindo... diminuindo... até desaparecer.
Um dos primos, um dos mais altos (tão alto que até joga basquete), depois que foi libertado das cordas, pensou em uma coisa muito importante:
- Eu acho que não devemos contar nada disso aos adultos. Eles, como sempre, vão dizer que é tudo imaginação da gente.
- Concordo com você. Vai ser um segredo só nosso – disse a prima que conhecia a história de Ulisses.
Esperaram que a maré baixasse mais e saíram da caverna. Puxa! Já era quase noite! Na certa, em casa, estava todo mundo preocupado. Eita! Que carão eles iam levar!
Quando começaram a caminhada de volta, viram – juram que viram – lá longe, no mar, na semi-escuridão do fim da tarde, elevando-se com as ondas, umas figuras estranhas, que pareciam ora peixe, ora mulher. Olharam por alguns minutos e foram em frente. Mas, durante o percurso de volta a casa, tiveram que encher-se de coragem, para enfrentar os adultos. Todos os primos. Primo inteiro e meio-primo. Primo torto e primo direito. Primo de um lado e primo do outro. E primo dos dois lados. Todos os primos, enfim.
- E eles levaram muito carão?
- Ah! isso eu não posso dizer. Só se contratarmos outra história.
Vicência Maria Freitas Jaguaribe
Natural de Jaguaruana-Ce
Professora de Literatura e Estilística da Universidade Estadual do Ceará
Mestra em Literatura pela UFC
Trabalhos publicados nas áreas de Literatura, Estilística e Lingüística do Texto
E-mail: vmjaguaribe@netbandalarga.com.br
quinta-feira, 25 de junho de 2009
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Esse conto é um encanto... além de contar uma história bonita, remete o leitor a Bandeira e a Homero, fazendo com que ele faça um passeio literário de graça. Essa técnica da história dentro da história também é interessante... leitura pra lá de prazerosa. ADorei!
ResponderExcluirAíla
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